'Que Natal mais lazarento, Pedro!', e histórias de São José

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Vinícius Sgarbe
Vinícius Sgarbe
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Lab Jornalismo 2050®.
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Lab Journalism 2050®.
Data da publicação original:
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17/9/2023
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Compadre Pedro é o nome composto do saudoso vizinho Pedro Zotto. Ele e meu avô Jorge Camargo, por sua vez Compadre Jorge, ergueram suas casas em uma área desurbanizada de São José dos Pinhais, a partir dos anos 1950. Foram tão amigos que, além das casas em esquinas do mesmo cruzamento da Avenida das Torres, compraram mausoléus lado a lado para a aposentadoria. Compadre Pedro mudou-se para o último endereço há alguns anos.

Enquanto os maridos se davam muito bem, as esposas travaram guerra permanente. Embora comadres, não perderam nenhuma única oportunidade de causar as mais divertidas confusões. "Vizinhas Muito Loucas", na sua Sessão da Tarde. Eram brigas tão banais que sempre tivemos a impressão de que acima de tudo ficava o cômico. Comadre Ida também mudou-se para o último endereço.

Ambas as famílias passaram pelas dificuldades características daquelas que são pobres e têm qualquer dignidade. Foram saqueadas, principalmente, por ideias religiosas, por ilusões terríveis. Tentaram, por uma vida, resolver as coisas com feitiços. Velas, correntes de oração, junto a bastante intolerância religiosa. Quem jamais se deixou afetar por essas bobagens foram os compadres. E as então crianças.

Uma das brincadeiras daquelas crianças que eu adoraria ter filmado era o casamento. Havia noivos, mãe e pai dos noivos, padrinhos e, claro, o padre. Juarez pegava escondido o vestido preto da Comadre Ida para fazer de batina. Também realizavam cultos de exorcismo. Certa feita, o pai de uma criança do bairro viu que o filho interpretava um endemoniado e soltou a cinta em cima do menino. Sem contar a “macumba para morrer”, que juntava pedras e um pouco de mato. A liberdade infantil muito rapidamente se converteu em imposição cultural, e as brincadeiras acabaram.

Contam os mortos, não poucos, que em mim deixam saudade e também raiva. Uma das minhas neuroses é culpar os mortos por suas mortes, não os perdoo por terem me deixado sem eles.

No último Natal, a bisneta de Compadre Pedro esteve no colo do Compadre Jorge. Íntegro feito um carvalho de tronco grosso, Jorge chorou duas vezes ao ver a antiga casa dos Zotto demolida. E outra vez chorou quando segurou a bisneta que também é dele.

Há cerca de trinta anos, quando a festa de Natal era a mesma para aquelas famílias do coração, e a degenerescência da vida estava em pleno vapor, um parente de Compadre Pedro disse a ele a frase que se repete várias vezes ao ano até hoje:

—Que Natal mais lazarento, Pedro!

Referências

ABNT
SGARBE, V.
'Que Natal mais lazarento, Pedro!', e histórias de São José
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Lab Jornalismo 2050.
Curitiba,
2023
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Disponível em:
https://www.jornalismo.digital/lab-jornalismo-2050/gestores-atentos-a-realidade-das-equipes-tem-mais-sucesso
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Acesso em:
Data de hoje
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