Da estátua de areia,
nada restará,
depois da maré cheia.
—"Areia", Helena Kolody.
Na semana passada, fiz uma pequena pintura de Nossa Senhora, a partir de lápis de aquarela. Usei três cores que combinaram, azul do céu, verde da água, e um tom de pele parecido com o meu, um caboclo. Olhando bem, acho que ela está grávida, e isso surpreendeu a nós dois. Usei aquela mesma tela, o mesmo papel rijo de excelente qualidade, para escrever as instruções do curso que dei sobre reputação na internet. Aquela pintura e aquelas anotações de aula foram minhas maiores contribuições à comunicação nos últimos anos. Isto é, tratamos de uma surpresa plástica a gravidez de uma senhora virgem, e de uma surpresa da sabedoria que o pior dentre os colegas fale de reputação.
Estamos todos cansados do noticiário, senhoras e senhoras. Os números estão aí, para quem quiser ver. Particularmente, aderi aos que evitam saber do que alguém em algum lugar nos quer fazer saber. Todos nós de grande talento editorial e artístico preferimos agora que os pequenos furtos e os abandonos mais cruéis sejam tratados na família de cada um, porque nada temos a ver com isso. Estivemos, bons tempos, iludidos, diante uma sedutora literatura de inteligência e futuro. Mas nossos provérbios muito rapidamente se converteram em correr atrás do vento. Não tivemos tempo de saborear o harém de nossas gostosas, ou de comer e beber de nosso trabalho. Partimos violentamente para correr atrás do vento.
Fracassamos paulatina e miseravelmente. Não fomos vingados de nossos perpetradores, honramos gente que nos deseja matar, fomos vítimas de negociações suspiradas. Enfiam nossas bondades e misericórdias na bunda. Nada somos para nossos inimigos além de seus fodedores, garante o Olavão.
Não nos interessamos na quantidade de mortos na BR, não mais. Jamais se interessaram em nossas verdades sobre violência no trânsito. Queremos que as questões fiscais e que os roubos dos legisladores se mantenham como estão, feridas pútridas para quem os opera. O poder e o dinheiro derreteram gente tão linda, gente que convidaríamos para batizar nossos filhos. Poderíamos ter perdoado tudo, poderíamos ter superado este momento difícil juntos, mas agora mataram Helena Kolody.
A escritora Cassiana Pizaia registrou, sobre o assunto, nos seguintes termos:
"A escola Helena Kolodi, em Cambé, fica a duas quadras da casa onde eu cresci e morei até acabar a faculdade. Ver os alunos e professores descendo e subindo a rua era parte do cotidiano de uma vizinhança traquila.
Alguém entrar na escola armado, matar uma menina de 16 anos, ferir e ameaçar alunos é a ruptura inconcebível e inaceitável de décadas de normalidade, de tudo o que se acredita ser o espaço escolar.
Não é um caso isolado, consequência apenas de uma mente doentia. É barbárie replicada, estimulada por por práticas e discursos violentos, que precisa ser compreendida e combatida na origem e nas estruturas digitais condescendentes, que a alimentam e recompensam.
Minha solidariedade às famílias das vítimas e à comunidade da escola Helena Kolodi e de Cambé, obrigadas a vivenciar tamanho horror".