A palavra democracia aparece dia-sim-dia-sim no noticiário, e frequentemente vem junto ao dado de realidade de que se trata de algo problemático. Estamos de acordo com a visibilidade do assunto, bem como com o reforço de que “é o melhor modelo dentre todos os modelos políticos que, incluindo a democracia, são ruins”.
Quando pesquisamos sobre comunicação política no Brasil, estamos atentos à necessidade de criação de oportunidades para que os eleitores integrem o debate público, e que o topo dessa integração é o voto depositado na urna. Para que isso seja possível, é preciso, primeiro, que o Legislativo garanta um grau mínimo de confiança no processo democrático.
Mas investimento em dinheiro também é necessário. Isto é, a veiculação de campanhas estatais – desde as propagandas partidárias até os anúncios dos tribunais eleitorais – requerem pesquisa de ponta, produção midiática capaz de sensibilizar os brasileiros, e tudo isso custa uma boa grana. Mas os resultados aparecem. A taxa de abstenção no segundo turno da eleição para presidente de 2022 foi de 20,95%, o menor número em 16 anos.
Na psicanálise de Sigmund Freud, podemos encontrar uma razão aprofundada para o desinteresse pela política. Em O mal-estar na cultura (1930), o psicanalista de Viena escreve sobre os métodos pelos quais os seres humanos procuram evitar o sofrimento. Um deles é justamente abdicar das relações sociais. Essa decisão, porém, reduz drasticamente a quantidade de satisfação possível do indivíduo.
Em outras palavras, negar que o outro exista oferta, sim, algum grau de segurança contra a dor, ao mesmo tempo que os prazeres trazidos pelo outro, somente acessíveis quando reconhecemos que o outro é importante, ficam limitados.
A natureza é um risco para a vida humana – o aquecimento do planeta e a iminência do desaparecimento de algumas ilhas em Tonga dão prova disso. A ciência pode ajudar, nesse sentido. Nossos corpos, destinados à degeneração, também são causa de dificuldades. A ciência pode ajudar, nesse sentido. Mas nenhum desses sofrimentos, segundo Freud, é maior do que o causado por nosso contato com outras pessoas.
Ocorre que a prática da democracia exige o outro, requer deliberação. A ciência pode ajudar, nesse sentido.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na cultura (1930). Em: Cultura, sociedade, religião: o mal-estar na cultura e outros escritos. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. b. p. 305–410.