O processo de transformação digital se impôs às redações jornalísticas com mais força desde o início da pandemia. Gestores enfrentam mudanças empresariais junto ao desafio de noticiar um período político e sanitário singular.
A plataformização como estratégia de negócio, em substituição ao antigo pipeline, vinha sendo implementado, ainda que com outros nomes, desde a criação dos sites de notícias dos jornais e emissoras. Os publishersentenderam com razoável rapidez que as redes digitais populares tinham, do ponto de vista dos negócios, um comportamento parasita, e que não seria possível distribuir a partir delas. Além disso, o orçamento da publicidade mudou de tabela, em desfavor das publicações tradicionais. Isso levou a uma mudança significativa na maneira de oferecer conteúdo.
Quando chegou a Covid-19, no começo de 2020, as variáveis do fazer jornalismo oscilaram violentamente. A partir daí, além da necessidade de levar a audiência à condição de assinante, houve um chamado à resiliência das coisas próprias da reportagem. Máximas ao estilo “lugar de repórter é na rua”, que vinham perdendo força, tombam completamente. O desafio é manter o negócio, entregar uma cobertura com periodicidade, continuidade e plástica coerentes com os padrões da emissora, com praticamente tudo feito no home officedos jornalistas.
Em entrevista ao Orbis Media Review, a diretora de redação do grupo RPC, do Paraná, Luciana Marangoni, diz que “certamente é a cobertura mais desafiadora do jornalismo desde a invenção da televisão”. A rica discussão dos editores com repórteres em meio às baias da firma já não acontece. Aliás,as instalações estão isoladas e as equipes, divididas por cores, com contato físico restrito ao essencial do essencial, com trocas de turno marcadas pela assepsia de superfícies e equipamentos.
Na vida digital, são estabelecidos contratos de convivência de muitas pontas ou, mais recentemente, discutem-se “campos de convivência”. A ideia passa pela permeabilidade das relações. “Já contamos histórias muito sensíveis, como a queda de um prédio em Guaratuba, ou os desmoronamentos e enchentes em Antonina e Morretes. Mas a Covid-19 tem a ver com nossas famílias, com riscos para a saúde de todos”, anota Luciana. Antes, o ofício de jornalista bem que poderia ficar da porta do lar para fora, mas agora não.
A editora-chefe do jornal e do portal Bem Paraná, Josianne Ritz, sente falta do fuzuê da redação. “Estou bem adaptada. O que era ruim no começo não é mais. Eu me sinto segura. E, assim, não montei espaço especial, para manter o clima de fuzuê. Fico na sala, com todos”.
Nos veículos editados por Josianne, a produção aumentou desde as medidas de isolamento, resultado que também é consequência, para ela, do tempo de casa dos profissionais. “Eu temia que a parte do fechamento do impresso, por causa da diagramação, poderia complicar [pelo trabalho on-line]. Mas estamos fechando até mais cedo. O entrosamento é meio atípico, porque trabalhamos há muito tempo juntos. A maioria [está] há mais de 20 anos”, registra.
O G1 Paraná foi a primeira extensão do portal da TV Globo em uma afiliada. Em fevereiro, fez aniversário de dez anos, com a marca de mais de um bilhão de pageviews. A editora-executiva Bibiana Dionísio, que está lá desde o primeiro dia de operação, organizou um escritório na sala de casa. “Entendi que a vida continua, que é preciso cuidar da alimentação, dos exercícios, da cabeça. Esta é a realidade do mundo agora, e o que eu posso fazer? Cuidar da minha família, trabalhar, claro, mas eu me matriculei em um curso de comunicação e marketing da USP, para aprender coisas novas”.
Segundo Bibiana, a necessidade por notícias cresceu por ocasião da praga, mas também porque o G1 ganhou relevância e protagonismo. “Todos os dias fazemos o exercício de eleger prioridades. Tal notícia é melhor que a outra? Quando decidimos por temas que fogem da tragédia, temos boa resposta da audiência. É um jeito de colaborar com outros aspectos da vida as pessoas”.
Quando a pandemia começou, a bebê de Bibiana, Luísa, tinha um ano e três meses. “A força vem de maneira esparsa. Tem semanas em que é possível imprimir um ritmo satisfatório, que as coisas andam mais leves. Mas há também momentos de esgotamento físico e emocional”. Luísa requer uma lista de acompanhamentos especializados, como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, “e isso é vivido junto com o trabalho, com as questões da família, da vida, que não deixaram de existir”.
Em um ano de medidas extremas, não houve um contágio sequer a partir da sede da RPC.
Longe de ser simples ou fácil, a resiliência no exercício do jornalismo durante a pandemia tornou-se uma forma de sobrevivência.