Narcisismo é, para uma definição simplificada, a tira-roupa, dependência de provisão do objeto. Ainda para a psicanálise, o narcisista faz dele mesmo o próprio objeto. Quando isso é levado às últimas consequências, o indivíduo pode até mesmo adoecer (a ele, e ao sistema).
Em um mundo de pós-verdade, um mundo pós-moderno, há certo apreço social pelo que é capaz de amar a si mesmo. Hollywood e Instagram são pregadores do “jamais desista dos seus sonhos” (na boa, às vezes, desista). Mas tudo bem.
Lá em Viena, um século atrás, Freud nos deixou a patifaria de relacionar narcisismo e homossexualidade. Iche. Daí se acerta “na rosca”, como nos avisa o escritor Luca Rischbieter sempre que pode.
Você poderá contra-argumentar que “para a sociedade vienense do começo do Século 20, a homossexualidade era tida como uma doença, então Freud não pode ser julgado com os rigores do agora”. Bem. É exatamente isso aí que estou tentando dizer.
Se a leitura de Freud for levada a “ferro e fogo”, o leitor corre o risco de perder o melhor da teoria. Mas como assim? Hipoteticamente, vamos assim para não assustar, o indivíduo tem um mundo submerso dele mesmo, que nem mesmo ele acessa, o inconsciente.
Ocorre, porém, que uma parte significativa, senão tudo, das decisões do indivíduo são tomadas no inconsciente. Eventualmente, mas não raro, aquele que estabeleceu para si mesmo um objeto que é ele próprio pode ter dificuldade de contribuir com a comunidade.
Sem contar que, claro como o cristal, uma vida que mantenha o apaixonamento, vamos chamar assim, apaixonamento, por si mesmo a ponto da incapacidade de reconhecer o outro, termina também em divórcios, misérias, suicídios.
O inconsciente, o Isto, aquelas experiências viscerais, tudo aquilo que está formado ao longo dos anos, e muito bem escondido, precisa de certo esforço para ser conhecido. Uma das técnicas da psicanálise é xingar a mãe (risos).
O narciso do mito, aquele que admira a si mesmo, poderia, então, ser “provocado” pela relação que se faz em Freud entre a turma do “eu mereço tudo, e estou acima de tudo” com “vai procurar uma rola”?