O jornalista Cândido Machado Neto e eu nos formamos na PUCPR, à época de descobrir a política. Nas eleições para o Centro Acadêmico de Comunicação e para o Diretório Central dos Estudantes, encontramos corrupções. Urnas fraudadas inclusive. Cândido, a quem minha família e amigos próximos chamamos Kiko, é reconhecidamente uma opinião conservadora. Tem um alcance notável entre jovens conservadores. Jamais paramos de conversar sobre política, e não entendemos por que as pessoas brigam por causa dela. Nesta publicação, experimentamos um formado do jornal americano The New York Times para colunas de opinião.
Sgarbe: Kiko, poucos homens no mundo são mais carinhosos comigo que você. Talvez o Padre Paulo. Há anos, discutimos política. Lembro de falarmos sobre o papel do homem no mundo, se maior, menor, ou igual ao do golfinho. Isso lá no DCE da PUCPR. Você tem ideia do quanto você modifica meu ponto de vista?
Machado Neto: Nem imagino, meu querido amigo. Continuo tendo problemas com golfinhos. O meu ponto nestes textos pró-democracia é que eles não são democracia de verdade. Vou falar uma frase bem chula, mas que explica bem o que é a “democracia” na boca de tanta gente. “Democracia é igual piroca, todo mundo que tá com ela na boca, uma hora ou outra enfia na bunda”. Sou autor dessa bela reflexão que explica bem. As cartas pró-democracia são assinadas por pessoas que não só defendem ditaduras, mas agiram ativamente no financiamento delas. Com dinheiro público. Como é que essas pessoas podem falar de democracia? Mas não precisamos ir ao extremo, vamos falar dos coleguinhas jornalistas. Falam de democracia, mas aplaudem prisões arbitrárias, inquéritos fora de qualquer regra jurídica, perseguições e cancelamentos. Todos os dias algum apoiador do Bolsonaro ou tem conta bloqueada, ou leva alguma multa pelo simples motivo de ser apoiador. Você conheceu a Érica, que era uma professorinha de escola municipal e foi protestar em Brasília. Acabou presa por cinco meses na Papuda. Enquanto isso, em 2014 (pode pesquisar), o MST tentou invadir o STF durante uma sessão, com foice e facão, e nada, nada, aconteceu com qualquer líder. Posso citar o deputado que dentro da prerrogativa de foro foi preso. Algo inadmissível na nossa Constituição. Uma ex-presidente impeachmada que não teve os direitos políticos dela suspensos (como diz a Constituição) porque o presidente do STF na época não quis. Isso é democracia? Juízes ditando como agricultores devem plantar a soja. Aconteceu semana passada. Quem o presidente deve ou não nomear para a PF. Juízes derrubando decretos de impostos. Mexendo em matéria econômica de prerrogativa do Legislativo. E eu nem comento a pandemia, onde literalmente pessoas foram arrancadas a força das ruas, lojas soldadas com chumbo para não abrirem. Passaporte vacinal etc. Não vivemos em uma democracia mais. Quem fala isso, quem defende esta “democracia”, está apenas defendendo a sua própria ditadura. Que um dia vai morder eles também, porque o monstro do autoritarismo jurídico é insaciável.
Sgarbe: Entendi que está reagindo ao texto do Pedro Ribeiro sobre democracia e a minha pergunta. Vou deixar claro, então. Você me modifica. Acho que tem a ver com nosso grau de sinceridade. Há alguns meses, entrevistei uma mulher que hoje é candidata a deputada federal. Tem um currículo fodão. Mas ela me disse algo do tipo “a gente tem de estudar para poder tomar meia garrafa de vinho e duvidar de tudo que fez”. Ela combina com a gente. Sobre a Érica. Tive a oportunidade de falar sobre ela durante uma aula na universidade. Contei a história de um jeito que até mesmo eu me surpreendi. Você sabe que estou ao lado da liberdade. Mas voltando à política. Bolsonaro é uma espécie de Tiririca? Ele é computado como um palhaço? É razoável que alguém o veja como “um voto contra o sistema”. Parece coerente para mim. Mas uma parte da comunicação fica interrompida, logo inservível para “todos”, quando se defende que tem o suficiente para ser um presidente.
Machado Neto: Entendo seu ponto. Lembro que você falou que contou sobre a Érica na Federal. Bolsonaro não é Tiririca, nem palhaço. Bolsonaro é teu pai, meu pai, uma pessoa comum. Ele não é, e é por isso que a imprensa tem nojo dele, um social-democrata, um socialista. Porque o fetiche do socialismo é o maior fetiche da nossa imprensa. Eu vou dar um exemplo para você. Toda a imprensa disse que ele imitou, tirando sarro, uma pessoa morrendo sem ar, de Covid. Inclusive a Renata falou isso. Qual a verdade? Então assim. Temos uma mídia que é fetichista. Que acha que presidente não é o que é, mas é o que parece. A não ser que este presidente seja um simulacro de líder esquerdista como é o Lula. Uma imprensa que caga e anda para o que o povo pensa. Esses dias, olhe o absurdo. O Paulo Martins, candidato do Bolsonaro ao Senado aqui do Paraná, foi à RPC. Aí pergunta vai, pergunta vem. Uma jornalista lá falou que no referendo de 2005 o povo votou contra o comércio de munições e armas de fogo. O Paulo disse que não, que o povo votou a favor, e foi uma votação alta ainda. Ela contestou e ficou brava. No outro dia estava fazendo errata, dizendo que o [candidato a] senador estava certo. Errar não é problema aqui. O problema é a repórter ser tão descolada da realidade, tão absurdamente fora de qualquer discussão política. Enfiada em uma bolha elitista tão grande. Que ela não sabia que o povo foi a favor das armas. Sabe por que ela não sabia? Porque ela não consegue conceber na mente do Shopping Novo Batel dela uma sociedade que é conservadora. Que defende famílias, armamento civil, é contra aborto. “É um absurdo isso ser assim, são apenas extremistas”. Logo, o povo só poderia votar contra as armas, ué. Entende? O tamanho do divórcio que nossos colegas têm da população real?
Sgarbe: Acho Bolsonaro um parlamentar. Ele tinha de ter continuado no Legislativo, no meu jeito de ver. É bem o palco para muitos temas dele. Mas considero que a Presidência tenha uma função dupla, a chefia do Estado e o “coach“ do povo — risos. Eu não tenho vontade de “lutar” pelo Brasil de Ciro Nogueira, de Silas Malafaia, eu sequer acho que o Brasil seja tão importante assim, desde que Bolsonaro é presidente. Uma jornalista não soube entrevistar o Paulo Martins? Não me surpreende. O jornalismo de televisão está um tipo de morto-vivo, não sabe se é Story do Instagram, se é a maior emissora do país, se é diário de uma vida que saúda a “belíssima foto” ridícula de uma telespectadora que achou a lua bonita. Até os repórteres experientes estão perdendo a paciência com “âncoras” medíocres. Mas é esse jornalismo que estava ok com a Lava Jato. A cada flato de Moro no gabinete se fazia uma manchete. 😂
Machado Neto: Acho que Bolsonaro não é ideal em nada. Não é líder de massa, nem parece com aqueles líderes de massa intelectuais dos anos 30 tanto no fascismo quanto no comunismo. E é exatamente a vantagem dele. Bolsonaro, se fosse uma pessoa maliciosa com o tamanho da influência que ele tem sobre uma gigantesca parcela da população, se ele fosse uma pessoa ruim como diz o jornalista do sobrenome gringo genérico, ele já teria feito deste país uma ditadura. Mas quem tem feito deste país uma ditadura são justamente aqueles que dizem querer proteger a democracia. “Vamos proteger a democracia nem que tenhamos de implantar uma ditadura”, dizem.